(De)composta Paixão

Ela é o Outono irradiando calor de Verão que devolve à minha pele de Inverno a beleza da Primavera.

Mexe-se como a própria eternidade a sustentar-se, sem peso, sem esforço ou custo, como se tentáculos de seres obscuros a suspendessem nos intervalos de uma morte que seria adiável, se não fosse tão desejável.

A decomposição avançada marca linhas de rosto, outrora cobiçadas no reino dos vivos, agora relegadas a dimensões sombrias de existências dispersas pelo vento do esquecimento, em lembranças apagadas por imposições findas.

Doce frio, toque semelhante ao gelo que me paralisa, sem me queimar pelo toque, mas absolutamente a incendiar as minhas entranhas, dando-me um fortíssimo desejo por semelhante padecimento… Quem me dera ter conhecimento abundante para alcançar tão perfeita morte.

Lembro-me das noites orgásmicas em que semelhantes impulsos luxuriosos eram a única prova de atividade orgânica, entre mim — bem vivo — e tu — bem decomposta.

Sabes, sabes melhor ao meu peculiar paladar, assim, nesse estado de cadáver profanado… Assim te garanto, objeto de cobiça de mórbido anjo, que nunca estiveste tão bem, tão completa.

Possuo-te e não reclamas, mas lembro-me que me amas, e enquanto viva, estimavas, talvez em demasia, as nossas noites de amor carnal.

Alguns inconvenientes há… Esse teu odor finado, não reclamo, pois continuo a teu lado, mas muitos como eu não o conseguiriam apreciar.

Deixo-te no fim da usura, na nossa cama, deitada, com o resto dos braços e pernas… Toda prostrada, imaginando-te a pedir mais.

O único remorso que tenho é que teus olhos de encanto tenham, em quatro meses, se esvaído, levando com eles o único lampejo que em mim ecoava prolífico desejo.

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